Artigo: O presidente quer crianças trabalhando (por Pedro Henrique Koeche Cunha)

Em 25 de agosto de 2020 a Amazônia e o Pantanal queimavam. O Brasil superava o número – subnotificado – de 115 mil cidadãos mortos pela Covid-19. A imprensa e os órgãos estatais de investigação seguiam detalhando informações envolvendo o esquema de desvio de dinheiro público – é esse o nome nu e cru da “rachadinha” – que teria sido promovido por décadas pelo atual Presidente da República e pelos seus filhos. Manifestantes e servidores públicos antifascistas eram perseguidos pelos órgãos do Poder Executivo. O chefe do executivo federal havia dito, uns dias antes, que tinha vontade de “encher de porrada” um jornalista no exercício da sua profissão.

O cenário obviamente não é dos melhores, o que abre o caminho para o sonho com outras realidades. A realidade perseguida poderia ser a da diminuição das desigualdades no Brasil. Poderia ser a da erradicação da pobreza. Poderia ser a da construção de um país altivo na proteção dos direitos humanos e dos direitos dos trabalhadores e na adoção de políticas de preservação do meio ambiente.

Mas em 25 de agosto de 2020 o Presidente do Brasil era Jair Bolsonaro. E o sonho de Bolsonaro foi assim expressado: “Bons tempos, né? Onde o menor podia trabalhar. Hoje ele pode fazer tudo, menos trabalhar”.

A realidade sonhada pelo Presidente da República é a da institucionalização do trabalho infantil.

Pode-se acusar Bolsonaro de várias coisas. O que não se pode dizer, nesse tema, é que o Presidente é incongruente ou contraditório. Bolsonaro tem um projeto para as crianças do Brasil. E o projeto de Bolsonaro é o de que crianças e adolescentes estejam fora das escolas e das Universidades para servirem de mão de obra barata ao capital. Não é à toa que Bolsonaro sucateia e corta as verbas das Universidades e Institutos Federais. Não é por acaso que Bolsonaro lutou contra a aprovação do FUNDEB, que busca garantir que crianças e adolescentes brasileiros tenham acesso à educação básica.

Não são desmotivadas as decisões de Bolsonaro no âmbito do Ministério da Educação: a nomeação de um palhaço para chefiar a pasta, a implementação de uma política educacional vinculada à religião em detrimento da laicidade, a nomeação de interventores e o desrespeito à democracia nas Instituições Federais de Ensino, etc.

Mas o sonho de Bolsonaro de crianças trabalhando é, além de tudo, mais um sonho inconstitucional. Isso porque o Brasil aprovou, ratificou e promulgou as Convenções nº 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, que tratam da busca pela abolição do trabalho infantil em caráter de urgência. As referidas convenções estão em vigor no Brasil desde o início dos anos 2000, e são, nos termos do Art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, equivalentes a emendas constitucionais.

A declaração de Bolsonaro é, portanto, mais um desrespeito à Constituição Federal de 1988. Mas o apego à norma constitucional parece ser coisa do passado num país que se submete a um processo de normalização do absurdo. Afinal, enquanto o Presidente ataca os outros poderes, zomba de milhares de brasileiros “bundões” (nas palavras dele) mortos pela Covid, glorifica a tortura, participa de atos em defesa de um golpe militar, dentre incontáveis outros crimes de responsabilidade, o Presidente da Câmara dos Deputados segue não vendo “nenhum crime” por parte do Presidente Que Quer Crianças Trabalhando.

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